Como será o Judiciário no pós-coronavírus?

Tudo indica que o trabalho remoto veio para ficar nos tribunais

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Palácio da Justiça, sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília | Foto: JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

Acelerar a tramitação de processos e reduzir os custos do Poder Judiciário são os principais argumentos de quem defende o trabalho remoto na Justiça brasileira, mesmo depois da pandemia de coronavírus. Por outro lado, há quem veja a medida com maus olhos e proponha a volta presencial de todas as atividades como forma de resguardar direitos. A discussão está apenas começando.

Em março deste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentou o home office para servidores do Judiciário por intermédio da Resolução n° 313. E firmou uma parceria com a empresa Cisco Brasil, de modo a disponibilizar meios para que os tribunais pudessem realizar audiências à distância. Entre os atos feitos por videoconferência constam julgamentos, audiências, perícias e acordos.

Com a pandemia em desaceleração e a retomada gradual da atividade econômica, discute-se a volta completa das atividades presenciais — ou um meio-termo entre essas duas modalidades. Marcelo Buhatem, presidente da Associação Nacional de Desembargadores, defende a primeira opção. Para ele, o “olho no olho” é fundamental quando o assunto é Justiça.

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Buhatem sustenta que estar presente ajuda a preservar garantias que poderiam ser violadas num julgamento à distância. “Nesse formato, uma das partes do processo pode alegar cerceamento do direito de defesa em razão de algum problema técnico na internet durante a sustentação oral, por exemplo”, observou. “Cai a conexão e o advogado não consegue falar. Afastar o juiz do cidadão não é uma boa ideia”.

Já Leopoldo Soares, professor e coordenador do curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (campus Campinas), acredita num meio-termo. Segundo ele, grande parte da estrutura do Poder Judiciário vai migrar para o mundo digital enquanto outras coisas seguirão o modelo antigo. Entre elas, uma sessão de júri que requer a presença de várias pessoas que definirão o futuro do réu.

“O trabalho remoto torna a Justiça mais célere. Isso é um fato”, afirmou o especialista. De acordo com ele, são grandes as chances de os processos tramitarem com mais rapidez. Na Justiça estadual, o prazo para encerramento de uma ação é de quatro anos. Na Justiça do trabalho, dois anos. Nas esferas federal e militar, chega a oito anos.

‘Virtualização’ da Justiça e redução de custos do Judiciário

Conforme o mais recente relatório do CNJ, a tendência de virtualização da Justiça brasileira se intensificou. Em 2019, nove em cada dez ações judiciais foram iniciadas em um computador, um celular ou um tablet. Em 2009, a proporção era de um a cada dez. O resultado é que, atualmente, considerando todo o acervo de processos judiciais que tramitam na Justiça, apenas 27% são de papel.

Além disso, de acordo com o documento, foi registrada uma redução no número de processos tramitando na Justiça brasileira. De quase 79 milhões em 2018 para pouco mais de 77 milhões no fim de dezembro do ano passado.

“As pessoas experimentaram o mecanismo eletrônico, perceberam as vantagens, se adaptaram e continuarão a usá-lo na medida do possível. É um caminho sem volta”, acredita Soares. “Esse processo vem desde 2003, com a implementação do processo eletrônico, e tende a crescer”, complementou o especialista, que salienta também a redução de custos da estrutura da Justiça.

Houve também redução de 69% nos gastos com passagens e diárias dos cinco tribunais superiores do Judiciário em meio à pandemia de coronavírus. No 1° semestre deste ano, servidores e ministros dessas cortes consumiram R$ 2,1 milhões. No mesmo período de 2019, os pagadores de impostos desembolsaram R$ 6,7 milhões em despesas referentes a viagens.

Só no ano passado, a proposta orçamentária de gastos para o Poder Judiciário foi R$ 49,9 bilhões, para manter 450 mil funcionários e 91 instituições. Isso dá R$ 1,5 mil por segundo — e faz do aparato judicial brasileiro o mais caro do mundo ocidental.